Subir montanhas é uma atividade que acompanha o ser humano e provoca uma série de questionamentos. Relatos associam esta prática à religiosidade, uma tentativa de estar mais perto dos deuses. Alcançar lugares elevados também pode estar relacionado à ideia de superação pessoal e, em alguns casos, de conquista. Naturalistas traçaram caminhos pelas montanhas com suas pesquisas e, em tempos modernos, a atividade se tornou esporte. A busca pelo cume possui diversos significados que se desdobram na criação de símbolos, práticas e saberes, além de proporcionar àquele que atinge as alturas uma nova perspectiva, um novo ponto de vista.
Olhar do alto é tanto um exercício do corpo que mira, quanto um lugar imaginado, como se pudéssemos ver, de tempos em tempos, fora de nossos corpos, flutuando. Imaginado também pela projeção de um olhar externo à humanidade, vindo de um céu ocupado por seres, entidades e deuses. Lembremos das lendárias linhas de Nazca, geoglifos no deserto de Sechura, ao sul do Peru. Criados entre 500 a.C e 500 d.C., eram parcialmente visíveis por aqueles que caminhavam na região, mas foram visualizados em conjunto com a popularização da aviação. O olhar é lançado, projetado, corporificado, imaginado. Olhamos a partir, para e sobre nós.
Olhar também é poder, revelado pela organização das cidades ocidentais, onde edifícios e torres disputam a transformação da linha do horizonte, erguendo-se em quantidade e velocidade pelo espaço urbano. É interessante notar como parte do progresso das cidades é medido pela altura dessas edificações, e, aqueles que disputam o reconhecimento, desejam integrar essa busca pelos céus. Em Curitiba, fundada em 1693, a verticalização se acentuou nas últimas décadas fazendo com que a vista da Serra do Mar, que emoldura a cidade, ficasse cada vez com mais obstáculos. E, em busca dos picos construídos pela cultura humana na capital paranaense, surgiu “Curitiba do Alto” de Lucas Pontes.
Em seu primeiro livro de fotografia intitulado “Mar de Nuvens”, Lucas Pontes nos colocou de encontro com a Serra do Mar e seus picos acessados a partir de diferentes graus de dificuldade. Pontes percorreu diversos lugares da serra para registrar as diferentes paisagens que ela abriga. Aqui, em “Curitiba do Alto”, ele acompanha a busca pelas alturas, dessa vez, sem subir montanhas, mas sim prédios, torres e todo tipo de construção humana. Através de marcos arquitetônicos e urbanísticos da cidade são reveladas histórias e paisagens que sobrepõem temporalidades vivenciadas por dezenas de gerações.
Estas imagens acompanham um olhar tão analítico quanto poético. Analítico, pois navega pela cidade, reconhecendo e documentando bairros, ruas, marcos construtivos. Poético, porque tudo é feito sob o silêncio do olhar, através de uma calmaria que prenuncia o movimento da cidade. É como se cada imagem tivesse sido produzida na breve pausa entre as pulsações, em frações de segundo entre os movimentos.
As estruturas em destaque vez ou outra deixam à vista pedaços da Serra do Mar, lembrando que um dia tudo aquilo era visível e que hoje apenas os prédios mais altos fazem o olhar chegar às montanhas. Para o fotógrafo, subir os prédios é um desejo similar ao de alcançar os picos montanhosos mais elevados. Ao mesmo tempo, as torres são escaladas para reencontrar uma paisagem “perdida” e reverenciá-la.
“Curitiba do Alto” é uma homenagem à capital mais alta do Brasil e ao desejo de superação, de atingir pontos cada vez mais elevados. Em meio às torres humanas, Pontes nos convida a desacelerar, a olhar para a cidade enquadrada por sua câmera e assim contemplar aquilo que nos cerca. Paradoxalmente, essa pausa nos traz uma nova questão: o que está além desse horizonte urbano que conseguimos alcançar?
FICHA TÉCNICA
Livro “Curitiba do Alto”, 28x21cm, 152pgs, 129 fotografias (2013-2023)
Coordenação e fotografias: Lucas Pontes Curadoria: Milena Costa e Pedro Vieira Direção de arte e projeto gráfico: João Marcelo Leal Edição e tratamento: Lucas Pontes e João Marcelo Leal Tradução inglês: Miriam Adelman Revisão: Juliana Giacomini Captação: Mauricio Vieira Assessoria: Paula Melech Editora: Voar Impressão: Corgraf
“PROJETO REALIZADO COM RECURSOS DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO À CULTURA – FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA E DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA.”